Episódio "A Prima do Saci"


                          Capítulo I: O diabinho duma perna só

 Na Mata Virgem, Pedrinho repousa deitado na terra fofa coberta por folhas. O Sol está escaldante, próprio para a modorra. O garoto está quase fechando os olhos, pesados de sono. Uma vozinha fina vai gritando:
— Ei, aqui! Amigo, aqui! Por favor, me solte!

Pedrinho à início pensa que é só sua imaginação, mas depois percebe que é realidade. A voz vem da garrafa com o Saci. É ele. É o Saci.

O diabinho duma perna só implora para o menino soltá-lo. Pedrinho reluta, pensando nos serviços que ele poderia lhe prestar. Mas o Saci argumenta. O avisa sobre os perigos da Mata Virgem, os seres do folclore menos amistosos do que o Saci que poderiam gostar de forrar o estômago com o neto de D. Benta. Pedrinho pensa bem e o solta.

O Saci não foge. O diabinho fica surpreso de um humano tê-lo livrado da garrafa. Ele começa à gostar de Pedrinho, e, fumando o seu pito, promete mostrar ao menino as maravilhas da Mata Virgem. O jovem avetureiro fica animado com a ideia.

Na biblioteca, D. Benta encontra Emília de pé em uma cadeira, cochichando com alguém na prateleira mais alta da estante. A boa velha pergunta à boneca com quem ela está conversando. Nas mãos da diabinha está de pé um boneco feito de sabugo de milho, de cartola na mão respeitosamente.

CONTINUA...

                          Capítulo II: O sábio feito de milho

Emília o apresenta como o Visconde de Sabugosa, feito por Pedrinho nas férias anteriores. Quando o garoto voltou para a cidade, Tia Nastácia o colocou na estante, em meio as livros. O sabugo de milho acabou por ler todos os livros de cabo à rabo, e adquiriu inigualável conhecimento.

D,. Benta fica espantada com o fenômeno, e chama Nastácia para conhecer o ilustre Visconde de Sabugosa. A cozinheira benze-se e fica pasma ao ver um boneco de sabugo de milho ganhar vida e falar como um sábio.

No pomar, Narizinho come jabuticaba do pé. Uma velha vendedora de flores, de aparência bondosa e cansada, surge do nada, assustando a menina. A velha pede para a menina comprar uma de suas flores, e Narizinho, como tinha alguns trocados no bolso, pensa em comprar umas flores para a avó e Tia Nastácia.

A vendedora lhe dá uma flor para cheirar. Quando Narizinho a cheira, imediatamente ela se transforma em pedra. A vendedora ri maldosa e se transforma na Cuca, a bruxa com cara de jacaré que habita a Mata dos Taquaruçus.

                           Capítulo III: A Cuca

A Cuca promete acabar com a vida de todos no sítio. Ela sempre odiou os moradores dali simplesmente por irradiarem bondade. Transformar a neta de D. Benta em pedra é só a primeira fase de seu plano malignoEla iria fazer coisa muito pior com os outros. O ruim era que a hora da soneca estava para chegar, e por isso ela tinha que agir com rapidez. A Cuca segue seu caminho e seu plano.

Na Mata dos Taquaruçus...Saci mostra a Pedrinho as maravilhas da floresta, o modo de defesa dos animais e vai desfiando lendas do folclore, como: Negrinho do Pastorei, Iara, Curupira e Lobisomem. E quando a noite chegar, o diabinho duma perna só promete mostrar seres fantásticos que habitam a mata.

No Sítio, Emília e o Visconde de Sabugosa foram dar uma volta pela propriedade, que à tempos o Visconde queria conhecer. O sabugo de milho, assim como a bonequinha de pano, tem o poder de aumentar ou diminuir o tamanho, e resolveu ganhar um tamanho humano para conviver com o resto dos moradores da casa.

Emília quer apresentar o Visconde à Narizinho e à Rabicó. Mas não encontram a menina em lugar algum. E quando finalmente acham Rabicó, a surpresa não é das melhores: com uma expressão de terror estampada na cara, o leitãozinho está paralisado; pregado ao chão...

CONTINUA...



                      Capítulo IV: Mais Maldades da Cuca
Emília e Visconde ficam pasmos diante do porquinho paralisado. Resolveram ir contar o estranho caso à D. Benta e Tia Nastácia. Mas lá só encontraram um jabuti tricotando na redinha da varanda, e uma galinha na mesa da cozinha, bicando algo que parecia um bolinho de chuva: e de fato era um bolinho de chuva!

Eles logo se deram conta de que o jabuti e a galinha preta eram, respectivamente, D. Benta e Tia Nastácia! O que aconteceu durante o tempo que Emília e Visconde estiveram fora foi o seguinte: D. Benta, que estava entretida em sua costura, viu uma sombra se erguer e pensou que fosse Pedrinho. A boa senhora já ia se levantar para abraçar o neto quando notou que era a Cuca. Antes que a boa senhora pudesse fazer alguma coisa, a bruxa a transformou em um jabuti.

Em seguida a bruxa entrou de fininho na cozinha e cantarolou: — Tia Nastácia! A negra virou-se, pensando ser uma das crianças, e quando viu que era a Cuca, deu um berro. E a jararaca a transformou em uma galinha preta, que ficava só comendo os bolinhos de chuva e as broas de milho que haviam sobre a mesa.

Emília e Visconde ficaram horrorizados, e se abraçaram com medo. Sabiam que iam ser as próximas vítimas. E não deu outra.

Um lampejo de luz, e puft! - tudo o que restava do Visconde e da Emília eram uma boneca de pano e um sabugo de milho, sem vida e sem fala, caídos no chão. Uma risada maquiavélica ecoou pela casa e seus arredores, chegando as ouvidos de Pedrinho e seu amigo Saci.

CONTINUA...

                  Capítulo V: Uma Missão para Pedrinho

O Saci reconhece a risada como sendo da Cuca. Isso deixa Pedrinho aflito, pois a risada vinha do sítio de sua avó. Saci acha melhor irem ao sítio ver como estão as coisas por lá.

Os dois amigos viajam de redemoinho até o sítio e param na porteira. Pedrinho chama pelo pessoal. Ele não obtem resposta. Saci propõe que eles se separem para procurar a turma: Pedrinho procura pela casa e ele pelo terreiro.

Aproximando-se da varanda, Pedrinho vê um jabuti (Dona Benta) sentado na rede tricotando. O menino soube naquele momento que o jabuti era sua avó. Isso deixa o menino alarmado, e ele entra no interior da casa chamando por Nastácia. Ele pisa em alguma coisa, que ele percebe ser a Emília e o Visconde de Sabugosa. O estranho era que Emília voltara à ser uma boneca comum. Pedrinho chama novamente por Nastácia.

Na cozinha, ele encontra uma galinha preta bicando as comidas sobre a mesa. Ele reconhece-a como Tia Nastácia. Pedrinho ouve Saci chamar e vai correndo ver o que é. O capetinha mostra ao amigo o Rabicó congelado.

Pedrinho sabe que alguma coisa aconteceu com Narizinho, e pede ajuda ao Saci para desfazer as bruxarias da Cuca. O ser do folclore aceita ajudar e diz estarem com sorte, pois está chegando a hora da Cuca dormir. Os dois amigos não perdem tempo e voltam de redemoinho para a mata.


               Capítulo VI: O amigo coruja


Comunicado: Esse capítulo marca a estréia de um novo formato. 

Eles chegam de redemoinho à uma parte da mata que Pedrinho não conhecia. O lugar lembra vagamente um lar.

Saci: Amigo Pedrinho, bem-vindo à minha casa.

Pedrinho: Você mora aqui? Que legal!

Saci: É, é também um esconderijo. É um lugar oculto por uma parede de pedra, pertinho do fim da mata. Depois mesmo da gruta da Cuca. Só eu sei onde fica. Quero dizer, você agora também.

A parede de pedra se abre e uma bela coruja entra voando  e pousa na mão do Saci.

Saci: Amigo Coruja! Que notícias você traz pra mim?

Para a surpresa de Pedrinho, a coruja começou à falar com uma voz masculina.

Coruja: Já sei que vocês sabem das bruxarias da Cuca. Mas tem coisa que vocês não sabem: a bruxa transformou a Narizinho em pedra.

Pedrinho: Em pedra?

Coruja: Isso mesmo, menino da cidade grande, a autoproclamada Rainha das Matas transformou sua prima em pedra. A menina do nariz arrebitado jaz no pomar, ao pé de uma jabuticabeira. Tem outra coisa: a Rainha das Matas está se preparando para o seu sono.

Isso fez Pedrinho e Saci sorrirem...

CONTINUA...


                 Capítulo VII: A Mula-sem-cabeça


Saci: Cuidado com esses cipós aí, Pedrinho!

Desde que o Amigo Coruja havia lhes informado que a Cuca estava prestes à cair no sono, o duende do folclore e Pedrinho estavam seguindo em direção à caverna da bruxa.

Pedrinho: Ô, Saci! Você tem certeza de que é por aqui a caverna da sua priminha?

Saci: Claro que tenho, menino! É por aqui sim! Já fui lá várias vezes!

Pedrinho: Tá bom, tá bom! Mas tem uma coisa que eu ainda não entendi: por que a gente não vai de redemoinho?

Saci: Ué! Pensei que você quisesse ver os seres que habitam a Mata. Conhecer a primarada!

Pedrinho: Ih! É mesmo! Esqueci completamente com toda essa confusão! Mas até agora não apareceu nada!

Saci: Ah, é? Olha quem tá vindo aí!

Pedrinho viu uma luz e ouviu um barulho de cascos. Era a Mula-sem-cabeça, que vinha galopando em sua direção...

CONTINUA...


                        Capítulo VIII: O Lobisomem

Depois que a Mula-sem-cabeça foi embora, Pedrinho comentou com o Saci:

Pedrinho: Uau! A mula é mais assustadora do que eu pensava!

Saci: É... os seres do folclore são muito diferentes do que vocês humanos pensam. Mas a mula não é a mais assustadora de nós. Pior é a Cuca, o Boitatá, o Lobisomem. E pensando bem...

O coisa-ruizinho começou a farejar o ar, e Pedrinho ficou meio assustado.

Pedrinho: O que foi, Saci?

Saci: Tô sentindo cheiro de Lobisomem no ar... Anda! Sobe nessa árvore!

O capetinha duma perna só subiu na árvore, e o menino foi trepando nela muito sem jeito. O Saci, impaciente, o ajudou à subir.

Saci: Depressa, moleque!

Pedrinho: Calma! Já tô aqui!

E foi bem na horinha certa. Um segundo depois, o Lobisomem apareceu, farejando o ar. Mas como os dois amigos estivessem bem escondidos pelas folhas da árvore, quando o monstro olhou para cima não viu nada e foi embora visivelmente desapontado.

Pedrinho: Ufa! Escapamos de boa!

Saci: É, moleque! Você é uma lesma, hein?

Pedrinho: Não sou nada! É que essas árvores daqui da Mata são muito mais altas que as do sítio da Vovó, com que estou acostumado à subir.

Saci: Isso não importa agora, menino! Agora eu vou te mostrar onde os Sacis nascem!

Pedrinho: Jura? Então o que estamos esperando! Bora!



                        Capítulo IX:O Sacizeiro


Saci e Pedrinho não demoraram muito para chegar ao saziceiro, local onde nascem os Sacis. Saci ensinou à Pedrinho que os Saci ficam dentro dos gomos de taquara durante sete anos completos, e após este período eles saem e vão aprontar traquinagens com os moradores da região onde nasceram. O duende também ensinou ao amigo que você só pode espiar o Saci dentro do bambuzal com um olho:

Saci: Se você espiar com os dois, ele taca o fumo do pito em seu olho, e aí é uma ardência... corre riscos até de ficar cego pra vida toda! Agora faz o favor de se virar e tapar os olhos!

O menino fez como ordenado, e só o que eu e Pedrinho sabemos foi que, quando o Saci disse que ele podia olhar, o gomo estava furado e ele olhava para um Saci menor que o boneco de sabugo de milho que ele havia feito. Era uma criancinha, mas já fumava o pitinho.

Pedrinho: Que engraçadinho! Parece uma criancinha, daquelas bem pequenas, mas já fuma o pitinho!

Saci: É, é, muito engraçadinho. Mas agora se vira de novo! E tapa os olhos!

Pedrinho: Mas já?

Saci: É, já! Agora faz como eu to mandando, moleque!

Pedrinho: Tá bom! Tá bom, Sr. Mandão!

Bem, novamente, só o que sabemos é que o gomo estava fechado como se nunca houvesse tido aberto e eles seguiram caminho até a caverna da Cuca...

Continua...



                       Capítulo X: Na Caverna


Depois de irem ao bambuzal, foram caminhando até a caverna da Cuca. Saci dissera que estavam quase chegando lá. Pedrinho alegrou-se com isso. Mal via a hora de dar uma boa lição naquela bruxa com cara de jacaré. Finalmente avistaram uma caverna, e Saci disse para ele:

Saci: É aqui, Pedrinho. Esta é a caverna da prima.

Pedrinho: Então vamos entrar lá e dar uns bons sopapos nessa bruxa!

Saci: Não! Temos que entrar com cuidado, moleque, e nada vale a força bruta contra a magia da bruxa. Olha, você fica aqui fora esperando, e eu vou ver se a prima já ferrou no sono.

Pedrinho não quis, mas Saci disse que era isso ou nada, e ele teve que ceder. Ele esperou fora, bufando impaciente, enquanto o Saci adentrava os domínios da Cuca. Para alegria do capetinha, ele encontrou-a dormindo como uma pedra e roncando alto.

O Saci deu uma gargalhada gostosa (mas baixinha) e voltou para fora.

Pedrinho: E aí? Ela tá dormindo?

Saci: Como uma pedra! E você acredita que a maldita ronca? (os dois riem)

Pedrinho: Mas como é que a gente vai fazer para obrigar ela à desembuchar como desfazer a feitiçaria?

Saci: Eu tenho um plano!...

Continua...



                          Capítulo XI: O Pingo D'água

Saci: Olha, moleque. Eu vou lá por aquelas bandas pra ver se eu acho a erva pra amarrar a diaba. É melhor você ficar aí, escondido entre essas pedras, pra ninguém te ver.

Pedrinho se escondeu entre as pedras e Saci foi pegar a erva para amarrar a Cuca. Voltou minutos depois, com um bom punhado de um tipo estranho de cipó.

Saci: Achei, ó! Tá aqui a erva que a gente vai usar pra amarrar a prima! Vai entrando, moleque. Mas sem fazer barulho!

Os dois entraram na caverna da Cuca, pé ante pé, e amarraram com muito cuidado e muita força a bruxa. 

Pedrinho: Pronto. Agora, vamos acordar essa bruxa!

Saci: Calma, moleque! Falta a última parte do meu plano: o pingo d'água.

Pedrinho: Pingo d'água?

Saci: É, é. Agora fica de bico calado e me deixa trabalhar.

Pedrinho ficou calado, e Saci foi dando jeito de um pingo d'água cair bem na cara da Cuca.

Assim que a primeira gota d'água foi derramada, a bruxa deu um berro.

Cuca: Ahrg!!!

Saci: Olá, Dona Cuca!

Cuca: Saci, seu peste! E quem é esse moleque?... ah, o neto de Dona Benta...

Pedrinho: Que por sinal a senhora virou em jabuti. Desfaça o que fez! Já!

Cuca: Nunca! Ai! Ai!

Saci, que tinha parado com o pingo d'água, colocou-o para funcionar e a bruxa gritava, gritava.

Cuca: Ai! Ai! Ai! Chega! Eu conto! Eu conto... mas chega desse pingo d'água! Por favor!

Saci sorri e cessa com o pingo d'água.

Saci: Então conta, Dona Cuca.

Cuca: Bem... vocês vão precisar de um fio de cabelo da mãe d'água... a Iara.

Saci: Hmm... certo. Bem, então nós vamos indo até o riacho fazer uma visitinha para a parenta, e, enquanto isso, a Dona Cuca fica aí, com o amigo pingo d'água!

Cuca: Não! Não! Pingo d'água, não! Isso não! Eu conto a verdade: para desencantar a menina Narizinho e as duas velhas vocês vão precisar duma flor azul, que fica ao lado do tanque de lavar roupa. Pegue a flor e jogue as pétalas ao vento, uma por uma. O feitiço estará quebrado, e você terá sua avó, sua prima e a cozinheira como gente mais uma vez.

Saci: Agora sim, Dona Cuca. O pingo d'água para, mas a senhora continua amarrada.

Cuca: Tudo bem! Tudo bem! Tudo menos o maldito pingo d'água!...

Continua...



                         Capítulo XII: O Feitiço está quebrado


Pedrinho e Saci vão para fora da caverna e deixam a Cuca amarrada. O Saci faz surgir um redemoinho de vento que os leva até o Sítio. Durante o caminho, Pedrinho percebe que já está amanhecendo.

Eles aterrissam no terreiro, e Pedrinho corre para o quintal da cozinha, onde fica o tanque de lavar roupa. Saci o segue.

Os dois amigos chegam e avistam a flor azul ao lado do tanque. Pedrinho a pega com cuidado, para não danificar a sua salvação.

Pedrinho: É esta, Saci... é esta a flor que pode quebrar os encantamentos da Cuca.

Saci: Então está esperando o que, moleque? Corra para fora e jogue as pétalas ao vento, uma por uma.

Pedrinho: Você está certo... é isso que eu vou fazer.

O garoto corre para fora da casa, seguido pelo duende. Assim que chega, olha para a avó transformada em jabuti tricotando na rede, olha a tia transformada em galinha devastando o milharal e olha para a Emília virada em bonequinha de pano outra vez.

Saci: Anda, moleque... Jogue as pétalas ao vento.

Pedrinho arrancou uma pétala e antes de a atirar ao vento, gritou bem alto:

Pedrinho: Narizinho!

Lá no pomar, uma pedra virou em Narizinho novamente. A menina acordou cambaleando, com uma pesada dor de cabeça e correu em direção à casa. Chegando lá, gritou:

Narizinho: Pedrinho!

Pedrinho: Narizinho!

Os primos se abraçaram, e depois Pedrinho contou à ela todo o caso e Narizinho contou à ele o caso do Escamado. O garoto ficou impressionado e a apresentou ao Saci. O duende beijou as pontas dos dedos da menina, e tirou a carapuça respeitosamente, fazendo a menina corar e Pedrinho ficar enciumado.

Pedrinho: Prestem atenção que vou lançar a próxima pétala... (arranca mais uma pétala e a lança ao vento) Tia Nastácia!

Neste momento, a galinha preta que destruía o milharal virou em Tia Nastácia. A velha negra ainda estava bicando as espigas de milhos quando recuperou a mentalidade de um ser humano. Ela levantou de um pulo, se benzendo toda.

Tia Nastácia: Credo! Dona Benta não há de gostar de saber que virei galinha e ataquei o milharal! Ah, meu bom Senhor Jesus de Pirapora! A Cuca! Ai, Meu São Jorge! O que há de ser de... Pedrinho! Narizinho!

A cozinheira corre para abraçar os seus "sobrinhos", e todos ficam contentes! A cozinheira vê o Saci e leva um susto daqueles.

Tia Nastácia: O Saci! Ai, meu bom Deus, o mundo está perdido!

Todos riram e explicaram tudo à cozinheira.

Tia Nastácia: Vixi Maria! É muita ousadia duma bruxa dessas virar Dona Benta em bicho casquento! Credo!

Pedrinho: Ai, ai, Tia Nastácia... Só você mesmo! Bem, essa agora é pra Emília (arranca uma pétala e a joga ao vento)... Senhora Dona Emília!

Neste momento, Emília virou em gente... boneca-gente de novo. A faladeira acordou como se ainda abraçasse o Visconde de Sabugosa. Só depois ela ouviu uns risos, e abriu um olho, e depois o outro, e desatou à falar; tudo errado, porque depois de virar pedra, boneca de pano que só falava nem um dia inteiro fica falado errado sem parar durante horas.

Emília: Seus caras-de-coruja-seca! Não sabem desrespeitar... quero dizer, esperar... não! escutar.. argh, não é isso! Respeitar!... É! É isso!... respeitar uma dama, não? Ouviria ter... quero dizer, fritaria ser... ai! Queria ver se fosso... fosso, não! É... fossem! Se fossem zum de... zum?...Um! Um de vocês! Ah, mais... mais? Não! Más... Más, não! Mas eu riria... riria? Não! É... Ironia... não, não é Ironia! Iria ir.. vir... rir! Rir muito! Ah, e ainda beijam... deixam... é, deixam o cobre... pobre Doutor Conde... Visconde aí. Tem... Sem vida! Morto!

Pedrinho: Mas, ué! Ele sempre foi assim, sua asneirentazinha!

Emília: Não foi nada!

Tia Nastácia: Pois não soube, menino? Eu deixei o sabugo na estante, e ele ficou sabido...

Emília: Sábio!

Tia Nastácia: Emília! Não me corrija que eu fico envergonhada... ele ficou sábio e está falando que nem doutor de cidade grande!

Pedrinho: Então acho melhor eu desfazer o feitiço dele... um sábio desses aqui no sítio nos pode ser útil. (Arranca uma pétala e a joga ao vento) Visconde de Sabugosa!

Instantaneamente, o Visconde de Sabugosa "despertou" assim como a Emília. Depois de rirem, Pedrinho, Saci e Narizinho tiveram muito gosto em conhecer o sábio sabugo.

Pedrinho: Bem... agora é a Vovó. (Arranca e e joga ao vento outra pétala)  Dona Benta Encerrabodes de Oliveira!

Nada aconteceu. Tremendo, Pedrinho murmurou.

Pedrinho: Vovó?

Neste momento, o jabuti piscou. Era como se falhasse. Em menos de um piscar de olhos era jabuti; em menos de outro era Dona Benta. Por fim, após o que foi um minuto e meio, parou. E parou em Dona Benta. A boa senhora acordou assustadíssima.

Emília, Pedrinho e Narizinho: Vovó!

Tia Nastácia: Sinhá! Sinhá Benta!

Dona Benta foi bombardeada por abraços, e, sem nada compreender, perguntou:

Dona Benta: Mas... mas que fim levou a Cuca? Será minha imaginação?

Pedrinho: Que imaginação, que nada, Vovó! Foi é a diaba mesmo! Mas eu e meu amigo Saci damos um jeito na malvadona!

Dona Benta: Saci?

A boa senhora vê o capetinha, que se aproxima pulando numa perna só e tira o chapéu respeitosamente.

Saci: Saci Pererê, às suas ordens.

Tia Nastácia: Vê que demoninho é esse seu neto, Sinhá? Imagine: virou amigo dum Saci e derrotou a Cuca.

Dona Benta: É, Nastácia... Nisso eu tenho que concordar... Mas, vamos entrando! Vamos entrando todos para tomar o café!

Pedrinho: Espere, Vovó! Falta o Rabicó!

Tia Nastácia: Ah, deixa pra desencantar esse porco esganado depois do café! Assim ele não invade a cozinha pra pedir comida!

Narizinho: Tia Nastácia!

Pedrinho (arrancando a última pétala): Rabicó, seu glutão! O café vai ser servido!

Mal o menino a lançou ao vento e num piscar de olhos surgiu um Rabicó, correndo e pulando.

Rabicó: Eu quero comer! Eu quero comer!

Pedrinho: Calma, seu comilão duma figa!

E todos foram entrando e tomaram o café da manhã com muita alegria e muita conversa. Naquele dia, todos estavam felizes...

Continua...






                      Capítulo XII: Um Casório no Sítio

Dias depois do desencantamento, Pedrinho chupava laranja lima no pomar quando Narizinho chegou correndo, gritando o nome do primo.

Pedrinho: O que foi, Narizinho? Aconteceu alguma coisa com a Vovó ou com a Tia Nastácia?

Narizinho: Que Vovó e Tia Nastácia, que nada! Eu acabei te ter a ideia do século!

Pedrinho: Jura? E posso saber qual é?

Narizinho: Casar a Emília com o celebérrimo "Marquês" de Rabicó.

Pedrinho: Narizinho, ficou maluca? A Emília nunca vai aceitar se casar com o Rabicó!

Narizinho: Com o Rabicó, talvez não... mas com o Marquês de Rabicó, com certeza vai.

Pedrinho: Narizinho, Narizinho...

Narizinho: Ah, Pedrinho, deixa de ser chato. Não vou fazer nada de mais. Só me divertir um pouquinho e fazer um bem para a Emília! Ela sempre sonhou em it além de condessa! E sabendo que tem um príncipe de sangue azul virado em porco marquês por uma bruxa, vai fazer de tudo para arranjar casamento com o Marquês de Rabicó! Ainda mais sabendo que no dia em que ele achar um anel na barriga de certa minhoca, ele virará em príncipe e se fará rei assumindo o Reino do seu pai!

Pedrinho: Ah, não sei não, Narizinho...

Narizinho: Ah, por favor, Pedrinho... Vai!

Pedrinho: Tudo bem, sua menina maluquinha... Vamos reunir a condessa com o marquês.

Narizinho: Isso! Quem chegar por último é mulher do padre!

Os dois saíram correndo, aos risos...

Continua...



                              Capítulo XIV: O Noivado


Narizinho já havia mentido para Emília e Pedrinho explicará tudo à Rabicó. O leitão prometeu colaborar, mas com a promessa de muita fartura no seu chiqueirinho para o resto de seus dias. O Visconde de Sabugosa também fora convocado à comparecer para fingir-se de pai de Rabicó. Narizinho havia dito à Emília que era mentira que o sábio fora feito por Pedrinho de um sabugo de milho; na "verdade", ele era um rei transformado em sabugo visconde pela mesma bruxa que virou Rabicó em porco. Para provar, Pedrinho desenhou bem na testa do Visconde uma coroinha de rei, e enterrou-lhe a cartola na cabeça.

Agora estão todos reunidos na sala, servidos de um bom café com mistura da Tia Nastácia. Claro que só o Rabicó comia: devorava os bolinhos, as pipocas, as torradas com geleia. Após terminar de comer, e disfarçar um arroto no lenço do bolso, declarou muito sério:

Rabicó: Agora que se passou o tira-gosto, quero a entrada: três mandiocas, quatro abóboras, e uma travessa de mil minhocas no mínimo, nada menos é digno de um príncipe: Nada menos, muito mais.

Pedrinho: Ora, seu príncipe duma figa! Passa fora! Chispa!

Rabicó: Eu exijo que tenha mais respeito com seu amo, rapazinho. Papai, prenda o plebeu que não sabe o seu lugar.

Visconde: E-eu?

Rabicó: Sim, condene-o à morte.

Pedrinho: Que morte que nada! Lhe prego um pontapé que você vai desejar nunca ter nascido.

Segundos depois, Rabicó estava para fora da casa, gemendo de dor.

Rabicó: Você ainda vai se dar muito mal, plebeu!

Narizinho: Viu, Emília, que príncipe poderoso é o Rabicó? Um pouco genioso, mas não faz mal...

Visconde (enxugando com o lenço duas lágrimas de crocodilo): Peço perdão aos presentes pelo comportamento inadequado e indigno do Senhor Meu Filho.

Narizinho: Ora, deixe disso, Vossa Majestade! Tratemos agora de achar alguém digno de representar o noivo.

Visconde: Como um nobre precavido, já tenho um excelente representante.

Narizinho: Quem?

Visconde: O Excelentíssimo Senhor Barão Azul. Conheci-o durante minhas... férias na estante de Dona Benta.

Todos trocaram olhares? Seria outro boneco? Mas não. O "Excelentíssimo Senhor Barão Azul" era na verdade um vidro azul como outro qualquer. Como outro qualquer, não, era um vidro falante com boca, nariz e olhos e cartola azul na boca de garrafa. E o Vidro Azul, assim como o Visconde, era um sábio, um intelectual.

Sr. Vidro Azul: Muito boas tardes à Senhora Condessa de três estrelinhas.

Emília: Ô, Seu Visconde de Sabugosa! Barão pra mim é indigno! Indignísssimo! Tem que ser, no mínimo, Duque!

Sr. Vidro Azul: Pois sou Duque, Senhora Dona Condessa. Duque e Barão. Mas prefiro ser chamado de Barão, pois acho que soa melhor com "Azul" do que Duque. Não acha?

Emília: Pode ser... Mas, vamos logo com este noivado! Ande! Proclame alguma poesia para mim.

Sr. Vidro Azul: Tenho a honra de lhe proclamar uma poesia do nosso poeta Príncipe Rabicó:

Pirluito que bate-bate
Pirulito que já bateu
Quem gosta do Marquês é ela
Quem gosta dela sou eu


Emília: Está tudo errado! Primeiror, eu não...

E a boneca abriu a célebre torneirinha de asneiras. No fim, ficou assentado que o casamento seria para a manhã seguinte.

Continua...



                     Capítulo XV: Outro Casório? Será?


Era dia do casamento. Mal o Sol raiou e Emília já estava de pé. A boneca foi até o terreiro uma caixa debaixo do braço. Ela a abriu e dentro havia um enorme jabuti.

Emília: Vamos! Acorde, seu jabuti preguiçoso!

O jabuti boceja, se espreguiça e lentamente se levanta da caixa. Este jabuti era o jabuti carteiro da Emília. Um jabuti especial, é claro.

Jabuti: Sim, Senhora Dona Emília?

Emília: Quero que entregue sem demora essa carta para o Príncipe Escamado, no Reino das Águas Claras.

Ela lhe estendeu uma carta, e o jabuti a pegou e a guardou em sua bolsa típica dos carteiros. Enquanto ia em direção ao Reino das Águas Claras, o jabuti rodava em círculos e entoava com sua voz rouca e velha uma velha canção conhecida de todos os carteiros jabutis.

"Eu vou andando
 Eu vou levando
 Muito devagar
 Pra chegar, pra chegar no lugar
 e entregar o ja... o jabuti
 Ja-ja-ja-ja-ja-
 O Jabutigrama
 Pra que tanta pressa?
 Pra que andar depressa?
 Fazer a remeça, entregar e chegar e entregar devagar
 é tudo que interessa pra mim
 O Jabuti!
 O Jabutigrama!"
E foi assim que o jabuti surgiu no Reino das Águas Claras, girando e cantarolando. Ele chegou bem perto do trono do Príncipe Escamado.

Jabuti: Saudações. Sou o Jabuti, mensageiro da Senhora Dona Emília. O senhor é o Príncipe Escamado, príncipe-rei do Reino das Águas Claras?

Escamado: Sim, sou eu. Que mensagens trazes para mim?

Jabuti: Esta carta da Senhora Dona Emília. Deixe que eu lei-a. (lê a carta) "Eu, Condessa de Três Estrelinhas, convido o Príncipe Escamado e toda a sua corte para o meu casório com o Marquês de Rabicó, filho do ilustre Senhor Visconde de Sabugosa, que acontece na tarde de hoje. Daria-me muito gosto se comparecesse em meu casamento. Assinado: Senhora Dona Emília, sua criada".

Escamado: Ah, um convite de casamento! Grande! Jabuti, diga à Condessa que vamos todos e estou muito honrado com seu convite.

Jabuti: Direi à ela, meu Príncipe. Agora, dever comprido, retornarei ao Picapau Amarelo.

E o jabuti saiu da mesma maneira que entrou, e desta a vez a letra da música estava ainda mais estranha:

"A encomenda
A oferenda, uma proposta de venda
Presente, uma prenda
Uma toalha de renda tremenda
Uma carta, uma emenda"





Assim que ele saiu do palácio, Soror Ostra Ostral Perolósa, conselheira do Príncipe que mandava tanto quanto o próprio soberano, comentou:

Soror Ostra: Que animal estranho esse jabuti!

Doutor Caramujo, sempre científico e bem informado sobre o mundo dos humanos, declarou:

Dr. Caramujo: Sua lentidão é característica da espécie, mas sobre este hábito de cantar músicas estranhas nunca vi em nenhum livro.

Prof. Opúsculo Molúsculo, estudioso conceituado em Águas Claras, concordou com Soror Ostra.

Prof. Opúsculo: Realmente estranho essa criatura... Realmente estranho

A norte-americana Miss Sardine, sempre curiosa, discordou:

Miss Sardine: Ah, eu não diria estranho... diria... curioso. Muito curioso.

O Capitão dos Couraceiros, crustáceo lídere dos couraceiros, já conhecia bem a curiosidade da sardinha, e alertou:

Capitão: Olhe lá, Senhorita Sardinha. Não vá se meter em confusões no estranho mundo dos humanos!

Miss Sardine: Ah, não vou fazer nada, Couraceiro!

Capitão: Sei... hunf!

Escamado: Será que vocês não podem ficar em silêncio um minuto?

Todos se calaram e o Príncipe sorriu, feliz.

Escamado: Bem, acho que devemos levar um presente para a noiva... e para Narizinho também, é claro.

Soror Ostra: E posso saber o que Vossa Alteza pretende levar para elas?

Escamado: Para a boneca... uma pérola. Mas não uma pérola qualquer: uma enorme, cravejada de pedras preciosas. Para Narizinho... um anel de noivado.

Doutor/Soror/Professor/Capitão/Sardine/Bagre/Aranha: Um anel de noivado?

Escamado: Sim, um anel de noivado. Vou pedir minha amada em casamento.

Continua...

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